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O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Monday, November 05, 2007

Dia 23 ::: 29-03-2007 ::: Altiplano Boliviano II

O dia começa mal. Não, não adormeci. Antes pelo contrário… difícil foi dormir de todo. Os sintomas começaram ainda de noite mas não lhes dei importância. Afinal eram normais naquela altitude e o dia tinha sido cansativo. Começou levezinha, cresceu aos poucos. Quanto tentei fazer alguma coisa (ben-u-ron) já era tarde. A dor de cabeça era absurda. Tinha as veias inchadas e a cabeça parecia que ia explodir. A minha cama devia estar inclinada e eu devo ter dormido com a cabeça abaixo do corpo. Não sei. Sei é que passei a noite a ser acordado pela dor e de manhã não abria os olhos. Nem sequer conseguia mexer a cabeça. Simon, o grande, tem a salvação. Atasca-me com folhas de coca e uma outra planta qualquer que, dizia ele, também ajuda. Meia hora depois estou fino e pronto para outra! A boa notícia também era que durante a manhã o caminho descia muito pelo que à hora de almoço estaria a pouco mais que 2000 metros.

Bendita Coca. E a outra plantinha também.

Pés a caminho, então. A viagem faz-se a um ritmo mais rápido. De volta à vastidão imensa do nada fazemos agora muito menos paragens.

Simon. Ei-lo aí à direita!
Back to the road.

A primeira é junto ao Arbol de Piedra. É uma formação rochosa bem conhecida que muitas vezes aparece em powerpoints que aqueles vossos amigos de baixa produtividade laboral vos enviam para baixar também a vossa aplicação na labuta. Basicamente, estamos a falar de uma enorme planície a perder de vista de onde, do nada, aparecem umas formações rochosas, isoladas, como picos de uma montanha submarina que se erguem do mar. A mais conhecida é o tal Arbol. Aquilo que a formou, também a destruirá. Estas formações são fruto da erosão de rochas vulcânicas através do enorme vento e tempestades de areia que assolam aquela região. Um dia, já ali não haverá nada para contar a história.


O Arbol de Piedra.

Simon. Já era Motorista, guia, companheiro, cozinheiro, médico e despertador. Agora era também a assistência técnica em viagem. Nada de grave diz ele. E eu acredito.

Já cá faltava uma foto com ele.

Egipto na Bolívia. Outras formações junto ao Arbol. O problema foi subir...


Arrancamos de novo. Nesta altura já começo a sentir uma certa ansiedade pelo dia de amanhã. É o dia da grande atracção. A tal de que pouco ouvi falar mas que me entantou em 2 ou 3 frases descritivas. Mais umas paragens aqui e ali para umas fotos de circunstância (ou não) com Guanacos ou sem eles, sempre envolvidos pelo laranja do chão e o azul do céu. Sempre sozinhos. Completamente sozinhos.


Fotos de circunstância
(ou não)
Com Guanaco.

ou sem ele.

O chão era assim.


E chegámos ao local de almoço. Laguna Hedionda (hmmm, nome sugestivo) é um aglormerado de 2 ou 3 casitas junto a um lago quase seco de sal e lama polvilhado por flamingos. De resto foi aqui que tive contacto com uma faceta desconhecida (pelo menos para mim) destes simpáticos bicharocos. É que meus amigos… se vocês largam pragas às pombas que se descuidam de quando em vez em cima das vossas cabeças ou ombros, não queiram tomar contacto com as gigantes bazucas anais dos flamingos. Não, não fui bombardeado. Mas pude observar o fenómeno de perto. Um enorme jacto de longo alcance é o suficiente para garantir que ninguém se chegará muito perto deles. Ao longe, os cumes cobertos de neve lembram-nos que apesar do sol que escalda a pele, está frio. Mesmo que o turbilhão de sensações que nos corre o corpo desde o início da excursão não nos permita ter noção disso.





Ora bem... o meu pé é um 46. Aquilo ao lado esquerdo é uma bala de flamingo.



Olha... vegetação... E logo dente de leão! Diz que faz bem à vesícula.

Almoçámos e seguimos viagem. Cruzamo-nos com um vulcão. Activo. Menos simpático que o de Pucón. Solta um fumo feio. Tem as encostas cobertas de verde e amarelo do enxofre que larga. Tem um ar ameaçador. Mesmo visto de longe, ao contrário do Villarica. Ao nosso lado, um sinal de trânsito. Bem, penso eu, já não falta tudo. Daqui por uns anos é capaz de passar aqui uma estrada.




E no meio de uma enorme planície, talvez a maior que vi, o leito seco de um lago enorme é cortado a meio por uma linha de comboio. Liga o Chile à Bolívia e passa ali um comboio por dia. Tendo em conta que vemos a linha até ao horizonte para um lado e para o outro (e também porque era um azar que em 24 horas do dia o comboio passasse naquele preciso momento) decidimos brincar um bocadinho.



Eles diziam que até nem se estava mal. Eu pensava "estes gajs estão doidos, tenho as costas espetadas num ferro!". Quando cheguei a casa e vi as fotos é que percebi que a diferença de alturas distorce os pontos de vista (e duas ou três vértebras também).

Já estamos no final da tarde. As horas dentro do jeep passam a correr e eu nem dou por elas. Estou demasiado entretido com a paisagem. Paragem para reposição de stocks. Água, bolachas e mais algumas coisitas. No meio do rigorosamente nada, meia dúzia de casas. Um minimercado e pouco mais. Quatro ou cinco miúdos brincam por ali. Feitas as compras, mais uma hora de viagem.

A porta do carro. Um dia terá sido assim.


No meio do rigorosamente nada, faz-se um zoom...

E encontra-se isto.
Desta vez vamos no meio de um cereal típico daqui. As cores combinam com o que já víamos há dois dias: amarelo e vermelho. É ao final da tarde que acaba o segundo dia da jornada, à porta do Hotel Marith En. Deve ser a tradução para Meridien. É uma casa, de um único andar. Quartos duplos e sala de jantar. E um balneário. É isto. Mas isto não é a particularidade principal. Aquilo que salta à vista é a cor por dentro. Branco. Branco e mais branco. Afinal, estamos num hotel de sal. Sal retirado do famoso Salar de Uyuni. Paredes, chão, cadeiras, mesas, mesas de cabeceira, bases das camas, tudo, mas mesmo tudo, é feito de sal aqui.

O Meridien da Bolívia.
Paredes, chão, cadeiras, mesas...
corredores inteiros...
mesas de cabeceira, bases da cama... tudo feito integralmente em sal (ok entre as camas é pedra mas temos de pousar as coisas em algum lado ou não?)



Dinner is served.
Lá fora o Salar revela-se ao longe. Revelar-se-ia melhor à noite quando o gerador se apagasse, já depois do jantar. Fiquei lá fora sozinho a ver. Estava sozinho e não me sentia como tal. Um luar incrível dava luz a tudo. A lua, perfeitamente redonda, fazia agora notar melhor o salar que se reflectia, branco como se fosse de dia. Uma paisagem única. E o melhor estaria reservado para amanhã, quando saíssemos ainda de noite em direcção a esse mar de ouro branco.



No mp3: Enjoy the Silence - Depeche Mode

1 Comments:

Anonymous Anonymous said...

Esta "reportagem" merece sem dúvida uma exposição.
Formidável.
Papi

7/11/07 11:27 AM

 

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