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O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Wednesday, April 18, 2007

Dia 1 ::: 08-03-2007 ::: Ushuaia

Começou!
São precisamente 04h10 da manhã quando toca a campainha de casa da Sónia. Era o táxi. Com a cabeça num reboliço e o corpo a estremecer, dou comigo a pensar que agora já não há volta a dar. Ou melhor... há. Uma volta bem grande por sinal. Ainda há umas horas estava sentado à mesa com os meus amigos e agora estava prestes a separar-me deles porque, já se sabia, o tempo que restaria entre esta viagem e o regresso a Portugal para pouco ou nada daria. Não sabia dizer se estava arrependido ou convicto naquilo que estava prestes a iniciar.
No mp3: Ao Fim do Mundo - Ala dos Namorados
O primeiro “Momento Tuga”.

Cheguei ao Aeroparque por volta das 04h30 da manhã, isto é, rigorosamente uma hora antes da hora marcada para o vôo. Estava tudo a correr bem. Mas também estava só a começar. Sendo a minha mala uma mochila, é evidente que se torna indispensável embrulhá-la naquele plástico antes de a enviar para o porão do avião. Só para, sei lá, evitar males maiores, daqueles tipo roubos. Enfim... o tipo de coisas que geralmente me acontece. Já imaginava o sacana do gajo do handling a espreitar as malas e a escolher no meio daquelas malas (algumas com diamantes cravados e correntes de ouro puro enfiadas nos bolsos de fora sem cadeado) a mala do desgraçado do mochileiro português que não tinha interesse maior do que vender o conteúdo numa qualquer feira de Buenos Aires. Vai daí, primeira coisa a fazer assim que cheguei ao aeroporto foi dirigir-me ao senhor da maquineta plastificadora. O melhor que consegui foi dirigir-me à maquineta porque senhor nem vê-lo. Devia estar de panelinha feita com o gajo do handling o sacana. Afinal não. Parece que abre às 5h. Nada como esperar. Também... estamos na Argentina... se há coisa que não acontece aqui é um avião sair sem atraso. 5h00, 5h05, 5h10... bem o melhor é ir indo para a fila do check-in e se o tipo chegar entretanto vou lá num instante. 5h15... nada. Chega a minha vez de fazer check-in. Exponho o problema à senhora que, coitada, não sabe que está a lidar com um gajo que tem as manhas lusas. Muito simpática diz para não me preocupar. Faço o check-in sem despachar a mala e se vir que o tipo não chega, às 5h25 envio as malas como estão. Feito o check-in... mais espera. 5h20, 5h21, 5h22,. 5h23... nada... Ainda por cima parece que o avião vai sair a horas. Coisa rara mas vendo bem as coisas é normal porque se de um lado está a contradição de um avião na Argentina sair a horas, do outro está o habito de tudo me complicar a vida. 5h24, 5h25, 5h26... Está na hora de tomar uma atitude. Mochila grande às costas, mochila pequena ao peito, ar convicto e avancemos! Há que tentar a sorte! Exatamente... vou tentar entrar com aquela mochila que mais parece um daquele cilindros de aquecer água de casa no avião. Chego à zona de controle de bagagens. Até agora passei despercebido. Mas não sei se foi por ser alto ou se foi pelo “BADABUM!!!!” produzido pelo pousar da mochila na passadeira rolante, a minha presença foi notada pela menina e senhor responsáveis pelo raio-x. Pelo menos passou dentro da maquineta. E eles parecem com pouca vontade de se chatear. Ainda bem. O homem nem teve coragem de me pedir para abrir a mochilona. Ficou-se pela pequena. Tentando disfarçar o esforço que estava a fazer a pegas nas coisas outra vez para que não percebessem o peso que ali ia (não sei muito bem o porquê desta preocupação porque ninguém que tenta meter um elefante num avião pensa no peso. Se calhar o tamanho é capaz de vir primeiro). Entro na manga e caminho a passos largos em direcção à porta do avião. Confiante! Mas o mais ridículo estava para vir. Duas assistentes de bordo à porta do avião olham para mim com cara de quem não está a perceber o que se passa. E tentam perceber também se sou eu que levo a mochila ou se é a mochila que me leva a mim. Eu próprio também não sabia nessa altura. Riem-se mas deixam-me passar. Menos mal... Uma delas dá a notícia: O seu lugar é o último do lado direito. Parei por dois segundos. Pensei nas minhas hipóteses. O avião estava cheio. Eu era o último a entrar. À minha frente uma plateia de gente e toda uma passerelle para caminhar até ao meu lugar. Nas costas um mochilão na frente uma mochila a rebentar pelas costuras. Não estava bonita a situação. Ria ou disfarçava? E como se disfarça um mono como aqueles? Como disfarça o Obelix que leva um menir nas costas? Ridículo por ridículo resolvi jogar ao ataque. Ia desarmar aquela gente. Com um sorriso parvo na cara a rir-me de mim mesmo humilhei-me a mim mesmo antes que algum deles o fizesse. Chego finalmente ao meu lugar. Mas a história não acaba. Não há um único compartimento nas redondezas vazio. Procuro não olhar as caras à minha volta até porque se antes estava roxo do peso, agora estou vermelho de vergonha (vermelho e vergonha são duas palavras que sempre ligaram bem). A hospedeira que me espetou um facalhão do talho quando anunciou o meu lugar decidiu matar de vez: “Tem compartimentos vazios lá à frente na primeira classe”. E toca de fazer a passerelle toda outra vez. Agora para trás!! Aí vai ele! E o burburinho aumenta. É francês. Consegui perceber. Recorro ao meu curto vocabulário recuperado na Argélia e após guardar o sacana do mono, olho-os e agradeço o suporte moral. E caminho para o meu lugar humilhado até às entranhas mas com uma olhar superior e pose de convicto vencedor.

Ushuaia à vista.

No mp3: Space Oddity - David Bowie

O avião saiu apenas com 10 minutos de atraso (e algo me diz que foi por minha causa. Imagino a menina do check-in à minha procura pelo aeroporto até que lhe chega aos ouvidos a história do anormal que entrou no avião com metade da casa às costas). Coisa estranha mas não comum. Soube depois que todos os outros vôos do dia atrasaram. Um chegou a Ushuaia 7 horas mais tarde que o previsto.
Uma das curiosidades que tinha era ver Buenos Aires de noite lá de cima. Azar. O meu lugar não tem janela. E ainda bem. Porque se tivesse dava directamente para uma das turbinas do avião. Ora como aquilo era um aparelho meio dúbio, melhor assim mesmo. Como se em caso de correr mal, aquela fuselagem meio desmontada fosse servir de alguma coisa, mas enfim. Estava envolvido nestes pensamentos quando aterrei. A viagem durou mais ou menos 3 minutos. Ou então adormeci. Não sei bem. Mas os 3 graus que me gelaram a pele fizeram-me rapidamente pensar que haveria melhores momentos para me debruçar sobre o assunto.
Acho gira esta moda de escrever o nome nas fotos.Olha passo a usar também! E já agora ponho o endereço do blog.
Com isto consigo tapar 95% da imagem.

Taki, o homem do YES!

Táxi. Era o que precisava. Já tinha hostel escolhido, agora era ir ver se tinha vagas. Pelo meio ouço um “You.... hostel?” O rapaz de feições nipónicas mais por gestos que por outra coisa lá se fazia entender. Meteu-se no meu táxi e veio comigo. Só quando cheguei ao hostel é que percebi que não fazia ideia para que hostel eu estava a ir. Por acaso era o mesmo. Como não sabia o nome dele, mentalmente baptizei-o de Tuki, em honra ao único japonês que conheci, nos tempos idos da residência universitária de Lisboa. Não andei longe. Chamava-se Taki. Homem do yes porque desconfio que esta era a única palavra que compreendia verdadeiramente. Não percebo como é que o gajo faz uma viagem sem saber o mínimo de castellano (espanhol para os argentinos) ou inglês, mas a verdade é que com gestos e muita insistência pelo meio la ia levando a água ao seu moinho!
Conhecer a cidade.

Feito o check-in no hostel, conhecidas algumas pessoas e os cantos à casa, feitas algumas compras de supermercado para cozinhar no hostel (mochileiro tem de poupar) decidi seguir para o primeiro tour pela cidade.
Ushuaia é uma cidade cutchi-cutchi. Não muito grande mas também não exageradamente pequena, vai tendo alguns predios. Mas muita casinha de madeira, de telhados inclinados. Muita loja para turista mas algumas para os locais também. E os preços são atractivos. Sendo zona franca ainda são mais atractivos que no resto da Argentina. A não ser que estejamos a falar de coisas que digam Ushuaia ou Patagónia ou Argentina ou assim. Essas são para turistas e como tal têm um preço condizente.
Entalada com a montanha de um lado e a baía de Ushuaia no outro, a cidade transmite calma. A paisagem é, como na maioria da Patagónia ampla. Aliás, vasto seria o melhor objectivo para caracterizar a Patagónia e a generalidade dos sitios por onde andei. As águas limpidas e calmas (mais calmas que muitos lagos que conheço) quase nos fazem esquecer que o Canal Beagle é feito pelo mar. Do outro lado aparece a pontinha do Chile que um dia roubará a Ushuaia o título de Cidade Mais Austral do Mundo. O céu geralmente limpo permite ver as montanhas em todo o seu esplendor. À minha frente a dada altura está aquela que planeei subir nessa tarde: a montanha do Glaciar Martial.
O Hostel.
A vista da Sala de Jantar era simpática.
A rua principal de Ushuaia. Quem diria... chama-se S. Martim...
Até o Casino é cutchi-cutchi.
As montanhas.

A baía de Ushuaia.

Ushuaia vista do porto.
Glaciar Martial.

Acalmado o estômago com umas sandocas num qualquer café de Ushuaia (a cozinha do hostel já estava fechada àquela hora), hora de subir e subir bem! Se a primeira parte da subida não custou muito (táxi) e a segunda também não (teleférico) o mesmo não se pode dizer do que se seguiu. Pelo meio já tinha tomado contacto pela primeira vez com as famosas diferenças de preço. Nacionalidade? Portuguesa? Pimba toma lá 25 pesos para subires. Se fosses argentino pagavas 5!
A subida até ao glaciar são de 500 metros (em altitude) por não sei se muito mais em comprimento. É dose. O menino da cidade chega a Ushuaia e decide-se logo por uma destas.... também foi inteligente. A meio da subida as pernas já não respondem. Os pulmões cheios de ar não parecem suficientes para as encomendas e o pensamento que me invade a cabeça é “Eu fico aqui! Alguém que me venha cá buscar!”. Agradável também é mudar de pedras para terra, de terra para lama, de lama para água e de água para neve e depois tudo ao contrário. E repete-se isto 20 vezes ao longo do caminho. E giro giro é o aviso no papelito que diz: “O caminho está bem indicado. Tenha cuidado para não sair do trajecto!”. Meus amigos... o caminho está sinalizado com pedras. Uma aqui e outra acolá. Não estão pintadas nem têm forma especial. Ora tendo em conta que o que mais há ao longo do caminho sao pedras, eu não tenho a certeza, mas não acham que será tudo um pouco duvidoso? Como é que eu sei se aquela pedra é do caminho ou está ali porque, sei lá, é o lugar dela?? Chegado lá acima a expressão que sai é “F#”$$-SE!! É ISTO?!” Aquilo a que eles chamam glaciar, meus amigos, não é mais do que um cume cheio de neve. Tá bem que é eterna. Mas é neve porra! Mas a desilusão passa quando rodamos 180 graus. Primeiro vemos o que subimos e ficamos orgulhosos (há que tratar da autoestima primeiro). Depois a vista é, no mínimo, imponente. Com a subida trilhada entre duas paredes, Ushuaia aparece ao longe e dissolve-se nas águas do canal. Olha-se à volta e não se percebe o que é Argentina e o que é Chile. A natureza não construiu países nem fronteiras. Construiu um todo. Nós é que o separámos.
Passado um bocado percebo que afinal não fui sozinho. Trouxe comigo uma serie de gatos que miam que se farta nos meus pulmões. A pureza e secura do ar e a sua temperatura gelada queimam os pulmões. E ainda sinto a poluição de Buenos Aires.
A descida é feita no passo Eu-queria-parar-mas-não-consigo! Quase a chegar a teleférico aparece um novo caminho à esqueda. É para um miradouro sobre Ushuaia. Mal por mal não fica nada por fazer!! Neve pelos joelhos, água a entrar pelas botas, pernas a dizer “MAIS NAO POR FAVOR!” lá chego ao tal miradouro. A vista é basicamente a mesma mas mais próxima. E o que ganha em nitidez perde em espectacularidade porque já não estamos trilhados entre duas paredes.
Antes de descer, tempo para um café com leite e uma fatia de torta de maçã no abrigo. Há que aquecer e recuperar energias. E a companhia é simpática.
Diz que é uma espécie de Glaciar.

Ushuaia bem lá ao fundo a perder-se no Canal Beagle.

A companhia de lanche no abrigo. Não falava muito.
Mas era bonita. Parece que é prima da águia. Menos mal...


Os primeiros amigos mochileiros.


A piada de estar nos hostels é esta. Há mais gente como nós. Que viaja com low-budget, que viaja sozinha e que quer conhecer gente. Ushuaia nesse aspecto foi o melhor lugar onde estive. Tive sorte também porque não sei porquê quase toda a gente que estava no hostel tinha chegado ou na mesma manhã que eu ou na noite anterior. Portanto estavamos todos a planear fazer as mesmas coisas. Já agora podiamos ir juntos. Trocas de impressões, eu quero fazer isto e tu aquilo; eu também quero ir a esse; ouvi dizer que aquele não vale a pena; este é caro para o que é, chegam-se a acordos e juntam-se grupos. Naquela noite conheci a Corinna (Alemã) e o Esteban (Costa-Riquenho). A primeira coisa curiosa relativamente à Corinna é que a última coisa que esperava seria falar com uma alemã em... castellano. E ela ainda falar melhor do que eu... Mais tarde conheci outras pessoas. Tinham chegado no tal avião que se havia atrasado 7 horas. Estava já tudo fechado e apanharam-nos à porta do hostel. Por sorte. E por sorte também, o dono morava logo ali ao lado. Sorte dos mochileiros e dele que sem contar duplicou a ocupação do hotel. Estava formado um grupo e o plano para o dia seguinte era: Parque Nacional da Terra do Fogo de manhã e Barco para ver os pinguins, leões marinhos, pássaros, farol e navegar no Canal Beagle à tarde.

13 Comments:

Blogger Catarina said...

Estás cá há uma semana, ainda só temos direito a um dia??
Isso quer dizer que vais demorar à volta de 30 semanas??

Quero mais! :)

19/4/07 2:05 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

Pronto! Para te fazer a vontade, passarei o fim-de-semana em frente ao pc a escrever. Não há Porto nem Aveiro para ninguém. :P

19/4/07 2:16 PM

 
Blogger Catarina said...

Se assim quiseres... :

19/4/07 2:22 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

Eu faço o que for preciso para te agradar! Se queres mais posts eu dou-te mais posts :P :P :P

19/4/07 2:40 PM

 
Blogger Catarina said...

E agora rebola! :P

19/4/07 2:42 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

http://farm1.static.flickr.com/225/465491040_c030479dbb.jpg?v=0

:P

19/4/07 2:50 PM

 
Blogger Catarina said...

Desconhecia que tinha super-poderes! :)
Então sendo assim actualiza o teu blog nos dias úteis. De qq forma desejo que rapidamente deixes de ter tempo p o fazer.:P

19/4/07 2:55 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

E como sabemos que isso vai acontecer em breve o melhor é despachar-me a escrever tudo!! :P

19/4/07 2:57 PM

 
Blogger Catarina said...

Despachar sim.
Ao fim-de-semana não.
Boa?

19/4/07 3:00 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

Boa.

19/4/07 3:01 PM

 
Blogger Catarina said...

Obviamente que percebi as mensagens subliminares de cariz desportivo. Graça fácil mas agradou-me a discrição.
Nada como alguns meses longe do lugar de culto para o fundamentalismo diminuir.

Gostei. :)

Ainda há uma réstia de esperança para a cura da PortoClubite. :P

19/4/07 3:31 PM

 
Blogger Tu(g)areg Porteño said...

Não sei não... tu antes topavas estas mensagens subliminares à primeira. Agora tenho de te explicar. Quer-me parecer que se há clubite a passar é a tua! :P

19/4/07 3:41 PM

 
Blogger Ana S. said...

Por acaso eu viajo sempre com essas mochilas tipo interrail, e nunca me roubaram nada. Acho que ando a abusar da sorte :P

20/4/07 7:24 AM

 

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