badge

O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Wednesday, July 11, 2007

Dia 8 ::: 15-03-2007 ::: Torres del Paine

Monólogos...

*Despertador*

Eu - "Hum?! Ha?! Só mais 5 minutinhos..."

*Despertador*

Eu - "Hum?! Ha?! Só mais 5 minutinhos..."

*Despertador*

Eu - "Hum?! Ha?! Só mais 5 minutinhos..."

*Despertador*

Eu - "Hum?! Ha?! Que horas são? AH!!! Porcaria!!!
Ainda não nasceu o sol... ainda dá tempo. Bora lá!"

Eu - "Não esquece nada? Então vamos!"

Eu - "Hummm não deve ser por aqui... tenho os pés enterrados em lama... que fezes pah!"

Eu - "Ah! É por aqui!"

Eu - "Hummmm isto está difícil... estou a escalar quase... Mas pera lá... há gente que vai até ao segundo abrigo com tendas e mochilas às costas... não deve ser por aqui... acho que estou perdido! Que cocó do caraças...

Eu - "Opá... isto subir é fácil mas descer... ainda vou é parar ao rio no fundo da ravina... diarreia de vida..."

Eu - "Aha! Estou de volta ao caminho... não andei foi quase nada... Tou cá com uma sede ora deixa-me cá beber um bocado de águ... MERDA!"

Caminhar às escuras e sozinho, com sono e pressa tem disto. Tive de regressar ao acampamento para ir buscar a água (e em boa hora o fiz). Mas, do mal o menos, de cá de baixo dá para ver um bocadinho do efeito que surpreende toda a gente que se desloca às torres ao nascer do sol... As rochas tomam uma cor alaranjada, como que se estivessem incandescentes, acendidas pelo sol. O fenómeno dura apenas uns minutos e o melhor que consegui além de o ver por uma nesga desde o acampamento foi ver o efeito num postal, no inverno quando a cor é ainda mais intensa revestindo as rochas de um vermelho fogo.

O amanhecer visto do abrigo.

Passado o momento de frustração, voltei à caminhada. Não tinha chegado até ali para desistir. Já não via o amanhecer mas havia de ver as torres de perto!

Agora com o sol que se ia levantando o caminho já era mais fácil de fazer. Estava claramente mal indicado e muito facilmente uma pessoa que não conhece o trajecto se perde. Paciência...
A primeira hora fez-se relativamente bem. Ao longo do rio, as subidas iam alternando com descidas aplaudidas pelas pernas ainda doridas do dia anterior. As reservas de chocolate iam sendo meticulosamente consumidas dando ao corpo a energia para fazer cada pedaço da caminhada. Em alguns sítios era forçado a umas manobras menos seguras que logo me faziam olhar para o chão que desaparecia bem ao lado dos meus pés transformando-se numa enorme ravina de pedra até ao rio que corria lá em baixo.

Diz que é uma espécie de ponte.


A ponta das torres. Ainda estou bem longe.


Sozinho, completamente sozinho ia apreciando os sons e os cheiros que me rodeavam. Estava ali bem. Atravessado um bosque meio sinistro de árvores escorregadias e tombadas, dou de caras com o segundo camping. O tal onde queria ter chegado ainda na noite anterior. Para a esquerda era o caminho até às torres e vejo que já toda a gente desce. Tinham sido bem sucedidos na missão de ver o amanhecer lá em cima porque não adormeceram, não se perderam nem se esqueceram da água.

Entro na fase penosa do precurso. E então percebi porque na véspera os donos do abrigo onde dormi me disseram que o que faltava até às torres era mais difícil que o que tinha feito na véspera. Mais a escalar que a caminhar, dou por mim a trepar enormes calhaus por onde rompem pequenos cursos de água onde aproveito para encher a minha garrafa. Água directamente vinda da neve eterna que se acumula lá em cima. Depois de muito trepar, de muito escorregar, de muito parar, de muita água e de muito chocolate, cruzo-me com os últimos resistentes do amanhecer. Obrigado a eles por me relembrarem que o amanhecer foi inacreditável... Dizem-me também que as torres estão atrás do enorme calhau que se ergue à minha frente. Encorajado por esta boa notícia dou um último esticão e consigo passar para o outro lado.
Os últimos resistentes do amanhecer. Daqui a uns metros recebo a boa notícia.
Os primeiros minutos poderiam ser de espanto mas não são. São de me esticar no chão sem querer saber de torres nenhumas. Queria apenas recuperar a respiração, as forças e o coração que havia de jurar ter ficado para trás. Fiquei ali uns bons 5 minutos imóvel até que então sim decidi olhar para o que me rodeava. E era fantástico. A única vantagem de ter adormecido é que me apanhei nas torres completamente sozinho. Os que viram o amanhecer já tinham descido e os que vinham durante o dia ainda não tinham chegado.

À minha frente, as três colunas parecem mais majestosas que nunca. O contraste com o caminho de 1 hora que ficou para trás é enorme. Já não há pedras soltas. Apenas uma pequena descida, um imóvel lago verde denunciado apenas pelo seu reflexo e três gigantescos blocos de pedra que mais parecem três dedos a raspar o céu. Ali não há absolutamente nada. Só pedra, água, ceu e eu. Já nem chocolate há porque já tinha ido todo à vida. Tempo para músicas. E simplesmente para estar. Fiquei ali uns bons 40 minutos so a olhar e a ouvir. Ali uma pessoa sente-se sozinha no mundo. E não se sente mal...
Ali não há absolutamente nada. Só pedra, água, ceu e eu.

A festa da vitória do Ego sobre os problemas cardio-respiratórios.

Se tivesse chegado às torres ao amanhecer, a vista seria parecida com esta.
Mas também não estava sozinho...
Após as fotografias da praxe, era hora de descer. Tinha o tempo cronometrado para parar apenas no abrigo para recolher as minhas coisas e comer qualquer coisa e seguir até à pousada onde apanharia o transfer até à entrada do parque. Dali seguiria numa carrinha de volta à Argentina até El Calafate. No caminho fazia o que outros me fizeram na véspera. Olhava os que subiam vermelhos do esforço e sorria. Cumprimentava e murmurava para mim mesmo "Já me safei!". Enquanto descia fazia o balanço desta fase da viagem. Até chegar às torres, confesso que estava arrependido de ter ido ali. Tinha gasto imenso dinheiro, não me sentia "em casa" como na Argentina, não ganhei particular simpatia pelos chilenos, tinha-me sentido meio sozinho e perdido, tinha ganho pó aos israelitas e tinha-me destruido fisicamente. Mas os momentos de paz lá em cima nunca me permitiriam dizer que não vale a pena ir ali. Vale muito a pena. Mas de preferência não sozinho e mais precavido. Pode esvaziar a carteira e destruir os joelhos. Mas Torres del Paine é fantástico para o ego. E para os rins também foi bom a julgar pela quantidade de água que bebi.
O Abrigo, já no regresso.

Não foram só os músculos que cederam nesta caminhada...

O rio que nos acompanha quase desde a Pousada lá em baixo até às torres.

De costas voltadas para as torres, faço o balanço enquanto caminho para uma nova etapa da viagem.

Ora deixa cá ver... jovens, parecem todos de países diferentes, não falam a ninguém, estão a 50 metros do resto das pessoas que esperam o transfer, não se percebe ponta do que dizem... é... são israelitas.

Já na entrada do parque, à espera do autocarro para El Calafate, as últimas fotografias preenchem o tempo.

Já no autocarro, o meu corpo começa claramente a ressacar do esforço destes dois dias. A cada movimento que tento fazer, a dor que sinto leva-me a amaldiçoar as torres. Elas, como que por diversão, insistem em mostrar-se no horizonte tempos sem fim. Já passei a fronteira, já estou bem dentro da Argentina e elas continuam a olhar-me de longe. Já passaram 4 horas.

Já em território argentino, as torres continuam a vigiar que passa ao longe.

E quando pensamos que elas já tinham desaparecido...

A viagem foi tranquila. Pelo meio do típico e plano deserto da Patagónia. A chegada a Calafate acontece já de noite. Encontrado o hostel, dou indicações aos dois alemães com quem partilho o quarto sobre o Parque de Torres del Paine. E conheço um israelita simpático. Um num grupo de 10. E já depois de ter tentado falar com sei lá quantos no Chile. Tento perceber porque se fecham tanto. Responde-me que as pessoas não gostam deles. Eu penso... pudera... Diz ainda que quando diz que é de Israel, a primeira coisa em que as pessoas pensam é na guerra. Ora meu amigo... não foi o meu caso.
O Lago Argentino lá ao longe. El Calafate já está bem perto.
Acho que é compreensível este trauma dos israelitas. A maioria deles acabam de sair do serviço militar obrigatório. Rapazes e raparigas saem do seu país para conhecer o mundo e tentar esquecer a cara daqueles que mataram nos inúmeros confrontos com os palestinianos. Isto explica porque se isolam. Mas não explica porque são antipáticos e mal educados com as outras pessoas.

No mp3 - Não uma música. Um álbum. Without you I'm nothing dos Placebo. Infelizmente não o tinha comigo e não o pude ouvir. Mas para mim encaixa na perfeição. Porque era o álbum que ouvia ao ler o Hobbit e aquelas caminhadas todas reportaram-me muitas vezes para o ambiente do Bilbo Baggins.

0 Comments:

Post a Comment

<< Home