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O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Wednesday, July 11, 2007

Dia 10 ::: 17-03-2007 ::: El Calafate

O despertar é nervoso. Não é caso para menos. É dia de conhecer um dos que elegi à partida como principais atractivos da viagem: Glaciar Perito Moreno. Já tinha ouvido diferentes histórias e visto diferentes fotografias de várias pessoas que conheço que já lá tinham ido. E nenhuma veio de lá pouco impressionada.

Ao contrário do que é habitual, decidi não ir por excursão. Aconselhado pela recepcionista do hotel, para poupar algum dinheiro fui numa camioneta comum até ao parque nacional. Dispensei a volta de barco. Ainda hoje não me arrependo. Pelo caminho conheci um casal brasileiro que me serviu de companhia em alguns momentos. Mas sem desprimor para os companheiros de "excursão", foram os momentos em que ali estive sozinho que melhor me souberam.

No caminho vou recordando tudo o que sei sobre o Glaciar. Desce das montanhas até ao lago. A sua frente é de 5 km de extensão e a altura acima da água chega a atingir os 70 metros. Estende-se montanha acima até se perder de vista. O gelo que se forma no topo da monhanha empurra o restante para baixo que vai atravessando o lago. Por vezes chega mesmo a atingir a margem contrária provocando um fenómeno interessante. A diferença de pressões da água de um lado e do outro do glaciar começa a cavar um túnel que cedo se transforma numa ponte. Sucessivamente mais frágil a ponte acaba por ceder abrindo um canal à passagem da água. O fenómeno ocorre de quatro em quatro anos. Este era até há bem pouco tempo o único glaciar em expansão no mundo. Está neste momento em equilíbrio e não se sabe se isso terá sido ou não acelerado pelo Aquecimento Global provocado pelo Homem. Sabe-se é que aconteceria de qualquer maneira porque a Terra em si está em processo de aquecimento há milhares de anos. Não seria era tão rápido, provavelmente. Estar em equilíbrio significa que a quantidade de gelo que o glaciar vai perdendo ao longo do ano é igual à que vai sendo criada na montanha.

A primeira vista do glaciar vem acompanhada de sons de espanto dos restantes passageiros da camioneta. Viro a cabeça e o que vejo diante de mim é absolutamente impressionante. Lá estava ele. Lá muito ao longe. Imponente, enorme. Flui montanha abaixo, entrando pelo lago dentro como se de um monte de suspiros (aquele doce de natal branco e enjoativo que se farta) se tratasse. Parece uma enorme estrada branca, muito pouco plana, diga-se.

Ao chegar aos miradores desço as escadas em passo apressado. Ergue-se diante de mim uma enorme parede ora branca, ora azul ora azulissima, conforme o sol se mostra ou se esconde por entre as nuvens. O ar que me cobre a cara é gelado. O som... o constante estalar do gelo, enormes pedaços de água gelada desprendem-se do glaciar e caem na água com enorme estrondo. Os cracks do gelo sucedem-se como se de trovões se tratassem. Imaginem que põem um cubo de gelo em água quente. Multipliquem os estalos que ouvem por 10.000 e não estão sequer ainda perto do que é. Escolho o meu lugar. As excursões ainda não devem ter chegado porque os passadiços estão muito vazios. Descubro um lugar mais recatado, onde estou absolutamente sozinho diante daquele gigante cubo de gelo. Posso jurar que aquilo para que estava a olhar tinha vida própria. Movia-se, resmungava, praguejava. O meu corpo estremecia a cada estalar daquela enorme massa. Confesso que cheguei a pedir-lhe desculpa por ser um exemplar provocador do aquecimento global que contribui para o seu retrocesso. Naquele enorme congelador dou comigo a pensar como poderia descrever o que estava a ver. Não se pode. Só quem ali está percebe que há algo mais que o frio, o gelo, o estalar e o estremecer. Algo que nos invade o corpo e a mente. Algo que nos faz ficar viciados com aquela paisagem e querer ficar ali para sempre. Tiradas as fotos obrigatórias, deixo a máquina pousada sobre o muro a filmar aquele espetáculo. Eu entrego-me à paisagem e aos meus pensamentos ao som dos mais que apropriados Sigur Rós.














Muito tempo depois sou despertado por um barulho. A bateria da máquina termina. Sou arrancado daquele mundo paralelo que ali se cria e descubro que já não estou sozinho. Já devem ter chegado as excursões. E descubro também que o nosso tempo (o meu e o do glaciar) acabou. É hora de regressar porque a camioneta não espera.
O desprendimento
Fenómeno engraçado este. O gelo estala, contorce-se, protesta e separa-se do enorme bloco. Cai na água com estrondo. Um rugido que nos faz tremer dos pés à cabeça. Imaginamos como seria estarmos ali ao lado. E percebemos que não éramos mais que um pontinho minúsculo. É coisa para arrepiar.






O fenómeno da Ponte.

Vejam até ao fim que vale a pena. Simplesmente fantástico. Pena que os sons do Glaciar não se ouçam muito bem graças à música azeiteira que resolveram pôr por cima...



O regresso foi variando entre ver as imagens na máquina (ainda bem que tinha duas baterias) e ver as imagens meio a sonhar. De volta ao hostel descubro que afinal havia lugar para mim. Mas o que tinha visto hoje exigia outro ambiente. Decidi então tentar a minha sorte no outro hostel da rede. Mesmo preço, melhores condições. Perfeito. Trato logo de marcar a excursão do dia seguinte. Pelo meio, de conversa com o rapazito da recepção ele trata de esclarecer que ali não se aceitam israelitas. São barulhentos, arranjam confusão e criam mau ambiente. Pode soar a xenofobia. Mas naquela altura já conseguia perceber porque é que muitos hostels fazem isso e porque é que o assunto me chegava aos ouvidos já desde Ushuaia.

O resto do dia foi calmo e sem novas amizades (tirando os meus companheiros e companheiras de quarto). Antes de adormecer decidi. Ficaria um dia a mais em El Calafate. Queria voltar ao Glaciar para o olhar. Só para isso. Sem fotos nem nada. So para ali estar ali mais uma vez.

No mp3: Viðrar vel til loftárása - Sigur Rós - Perfeito!!

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