badge

O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Wednesday, November 07, 2007

Dia 29 a 32 ::: 04-04-2007 a 07-04-2007 ::: Mendoza - Acabar como comecei.

Mendoza por momentos
Nota prévia: Por motivos vários, nomeadamente a falta de assunto, os dias de Mendoza foram condensados num post. A verdade é que foram dias de descanso, mais do que qualquer outra coisa. Há pouca coisa para dizer e parti-la em posts era um bocadinho ridículo.

Mendoza foi a cidade escolhida para terminar a viagem. Não ia lá com grandes propósitos turísticos. Foi o local escolhido para descansar, para voltar a Buenos Aires em grande forma. Visto agora, à distância, foi uma má escolha. Fiquei dias a mais ali, dias que podia ter aproveitado muito melhor talvez não noutros pontos da viagem (porque o dinheiro já não existia) mas seguramente em Buenos Aires, onde me sobrou pouco tempo para as despedidas.

No entanto, foram dias bem passados. Começou com um retorno às actividades radicais com um rafting, passou por mais jantaradas multinacionais e continuou com o reencontro com Corinna e, inesperadamente para os dois, com Flo, o outro alemão que andou connosco em Ushuaia. Com eles passei os restantes dias, simplesmente estando por ali. Pontos altos? Dois: parapente e futebol. Mas primeiro a cidade. Mendoza é uma cidade inteiramente humana. Significa isto, que no lugar onde hoje existe uma cidade enorme e verde, havia antes deserto. A construção de um complexo e bem pensao sistema de aproveitamente do degelo da neve dos antes, permitiu a criação de uma enorme represa. É essa represa que é distribuída por canais que circulam em toda a cidade e que alimentam de água o solo das intermináveis extensões de vinha. Foi também esse sistema que permitiu a construção de uma pequena barragem de caudal, a tal que provoca os rápidos nos canais onde eu me andei a divertir. A água, essa, como qualquer água proveniente do degelo é... ai como é que era mesmo? Isso. Gelada. A cidade vive do vinho. Da produção e do turismo. Se os vinhos argentinos são internacionalmente reconhecidos, muito se deve a Mendoza, cidade onde é produzido cerca de 75% do vinho do país. Também o turismo se desenvolveu à volta do tema e hoje é destino de eleição de especialistas da matéria e de outras pessoas que não sendo tão experts não deixam de ser apreciadoras.


A tal barragem que controla o caudal e os rápidos.

O canal principal.

A praça central e o típico hábito argentino de estar deitado na relva a relaxar.


Numa noite com a Corinna, Flo y sus amigos.

E agora o Parapente. Não foi sky dive como me tinham dito, mas foi igualmente divertido. Uma sensação fantástica. Muito mais pacífico do que eu imaginava, flutuava no céu, balançava ao sabor do vento, subia e descia conforme o guia queria. Aqui e ali um momento de maior emoção com descidas em parafuso ou um balançar para os lados mais acentuado. Nessas alturas, a cabeça anda à roda, o estômago torce-se, as emoções misturam-se e a adrenalina dispara. A repetir de certeza.

A vista impunha respeito.
Mas a moral era alta.

Ah... sorriso aberto. So far so good.

Mãe! Mãe! Sem pés!!
Não sabia que um Parapente conseguia subir. Ali em baixo é a base de saída.
Godoy Cruz X Rosário Central: Num ano marcado por altas cenas de violência nos estádios de futebol argentino, em todos os jogos todos os fins-de-semana levando até à interrupção do campeonato por várias semanas, consegui o impossível. Vivi quatro meses em Buenos Aires e não vi nem um jogo do Boca nem do River. O facto de ter apanhado as férias de verão também não ajudou. Assim que quando recebi o convite o Flo e do seu amigo alemão estudante em Mendoza para ir ver um jogo não pude recusar. Costumo dizer que um povo se mostra num estádio de futebol. E, há que dizer, nem na Argélia deixei de ir ao estádio. Não tinha visto nenhum dos míticos mas não iria embora sem ver um jogo de futebol na Argentina. Meu dito meu feito.



stava assim o resultado quando tive de sair a 5 minutos do fim por causa do autocarro. Um jogo aborrecido, sonolento e decidido de penalti. Acabou 3-1. Hã? Que sorte...


E foi o jogo a última actividade em Mendoza. Dali, segui directo para o hotstel, onde apanhei a mochila e fui directo para a camioneta. Buenos Aires era o destino. A viagem chegava assim ao fim. Na verdade, na minha cabeça, a viagem chegou ao fim em Uyuni. E já tinha tido consciência disso na viagem de regresso à Argentina. A verdade é que depois de Uyuni sabia que nada do que veria depois chegaria sequer aos calcanhares do Salar. Por isso optei por olhar para estes últimos dias como dias de recuperação e de digestão da viagem. Penso que de certa forma foi melhor assim. Aterrar no meio da caótica Buenos Aires vindo directamente das maravilhas que andei a ver podia ser prejudicial. Para tudo é necessária uma adaptação e depois de 31 dias a viajar também eu precisava de uma, como precisei quando comecei a viagem por Ushuaia.

Foi uma experiência com princípio, meio e um fim parcial. Digo parcial porque o bichinho de mochileiro picou-me. Adorei a experiência e ainda vinha no autocarro de regresso a Buenos Aires e já planeava a próxima. Peru e Bolívia serão os próximos alvos. Não sei quando será mas será de certeza. Talvez nessa altura abra um blog para vos contar.

E um relato destes não podia terminar sem uma última aventura. Assim que arrancámos de Mendoza, o simpático assistente de bordo diz ao microfone uma coisa que me encheu de confiança. “Senhores passageiros dentro de momentos vamos pedir-lhes que fechem as cortinas e apagaremos as luzes por alguns instantes. Nesta zona é habitual atirarem pedras aos autocarros para os saquearem depois. Tentaremos que tudo corra dentro da normalidade.”. E eu tudo bem. Depois de tanta coisa, acho que já nada me espanta. Fechei a cortina e os olhos. Acordei em Buenos Aires.

Estou de volta, com o peito inchado por uma sensação de orgulho e de missão cumprida. Agora é hora de um merecido e longo banho, de fazer a barba e de ir almoçar com a Sónia. Contar tudo e saber de todos. Voltar à normalidade no tempo que me resta.

No mp3 - The End - The Doors (tinha de ser este enorme cliché)

Dia 28 ::: 03-04-2007 ::: A caminho de Mendoza

Sobre este dia, nem fotos nem histórias. Acordei tarde, só com tempo de comer qualquer coisa e seguir para o Terminal. O destino, Mendoza. A viagem, feita a dormir. Mas antes, ainda tempo de ganhar uma garrafa de vinho num jogo de Bingo feito no autocarro. A garrafa, essa ficou pelo caminho algures em Mendoza. Também, depois de o rapaz do autocarro dizer "Cuidado que te caem os dentes" quem é que tinha coragem de o provar?

No mp3: Country Road – Não sei o nome da banda. Parece que estou na fase das músicas na cabeça… O que é que se há-de fazer? E não, também não tenho isto no meu leitor.

Dia 27 ::: 02-04-2007 ::: Salta

Salta, la linda é assim conhecida por ser entre os Argentinos a mais bela cidade da Argentina. O nome deve ser antigo porque hoje em dia Salta é uma cidade comum. Grande, com prédios e caótica. O centro concentra quase todo o interesse.

Passei a manhã no topo da colina à qual Salta está encostada. Subi de Teleférico e de lá de cima fiquei a olhar para a cidade. Dali vê-se tudo. Uma cidade geometricamente desenhada (como todas as cidades na Argentina), tirada a regra e esquadro. Polvilhada de prédios e de árvores. Mais ao longe os prédios vão-se desvanecendo dando lugar ao verde. É uma espécie de degrade. Ao longe, percebe-se não há nada. Na Argentina, o espaço entre cidades abunda. É um enorme espaço cheio de nada. Aqui não é excepção. O acaso fez-me encontrar com os meus companheiros de quarto do hostel. Dois canadianos bastante simpáticos. Resolvi ficar por ali mais um pouco. À conversa. Conversa estúpida só. Nada de sério. Esteve-se bem.


O centro é uma mistura engraçada. Alternando vários estilos, vemos casas coloniais, edifícios rasos tipicamente sul americanos, igrejas com traço marcadamente espanhol, mas tudo sempre com o inconfundível toque argentino. A praça central é acolhedora e agradável. A catedral é no mínimo interessante. Vermelha e dourada, salta à vista desde longe. Infelizmente não se podia entrar.






















Foi assim que passei o meu último dia em Salta. Nas ruas. A ver a cidade por fora e a tentar tirar o melhor partido das poucas horas que me restavam ali. De resto, essa noite havia festa no hostel e por isso contava deitar-me tarde. Como a saída para Mendoza no dia seguinte era a meio da tarde não contava ter tempo para grande coisa.

À noite estava programado um curso de empanadas no hostel. Infelizmente uma súbita doença do cozinheiro impediu essa formação, pelo que acabámos todos à conversa a comer empanadas compradas na loja em frente. A noite passou-se com cervejas e matrecos, histórias de viagens como sempre. Muito riso e muitos conselhos a quem ia para de onde eu vinha.

No mp3: Não sei o nome – Jack Johnson (nem tenho a música no mp3 mas passei o dia com ela na cabeça)

Há rigorosamente 1 ano...

Por estas horas estava a instalar-me em casa do André. Daí a nada receberia as boa-vindas da Sonics, do Mario, da Maria, da Tânia e da Mónica. Arrancava a segunda parte desta história. Começava uma nova fase na minha vida. Uma de que me lembro todos os dias sem excepção. Com saudade mas feliz pelo que vivi naquela cidade onde tudo funciona na perfeição, até os seus defeitos. Que saudades "Mi Buenos Aires Querido".

Dia 26 ::: 01-04-2007 ::: A caminho de Salta

De volta à Argentina. Sinto-me mesmo em casa neste país.

5121 km em 26 dias. Em linha recta. Porque na verdade foram muitos mais.


Passaram-se 12 horas desde que saí de Uyuni. De volta à Argentina os objectivos são claros: chegar o mais depressa possível a Salta. Espera de 1 horita e logo segui para Salta. A primeira parte da viagem foi feita a dormir. É um tipo de paisagem sem nada de especial que justifique a abertura de pestana. As únicas excepções, foram duas paragens forçadas pela polícia. Entraram no autocarro, pediram documentos, verificaram vistos. Não sei se estavam à procura de alguma coisa em específico ou se fazem isto com todos os autocarros que vêm da fronteira com a Bolívia. Não sei se era pelas metralhadoras na mão, mas fui invadido por aquela ansiedadezinha estúpida. Tipo como quando somos mandados parar pela BT e apesar de termos bebido água toda a noite trememos quando vamos soprar ao balão. Não que já tenha passado por isso. Nunca fui mandado parar. É uma das frustrações que tenho. Acho que vou tentar provocar isso. A partir de hoje andarei sempre a 230 km/h na autoestrada. Ou se calhar não. Acho que é melhor pensar noutra estratégia.

Já a segunda parte da viagem é diferente. Passando por Jujuy, faço de autocarro o passeio que costumam fazer as excursões nesta zona. Sempre junto à Quebrada de Humauaca, enormes paredes de pedra erguem-se diante de mim. Verdes, vermelhas, amarelas, por vezes até roxas. O fenómeno é conhecido em todo o mundo. Os diferentes minerais existentes nesta zona conferem as várias tonalidades à pedra. É uma vista inesperada e que apesar de repetitiva não nos permite afastar os olhos. Aqui e além um cacto marca presença. De resto, pouca vegetação. A estrada vai descendo a montanha numa enorme serpente. E às 16h chego a Salta.







Após consulta do guia percebi que havia na cidade dois backpackers hostel. Além de já saber que têm qualidade aceitável (se excluirmos o episódio de S. Pedro de Atacama) tinham a vantagem de ter uma pessoa no terminal a fazer a recepção. Lembrei-me da estratégia de El Calafate e tendo em conta que o autocarro vinha apinhado de israelitas (já os distinguia pelas famosas sandálias aos buracos entretanto tornadas moda em todo o mundo) não fui de meias medidas. Cheguei ao pé do recepcionista e disse "Qual é o hostel para onde vão os israelitas?" ele respondeu e eu disse "Então vou para o outro!". Ele riu-se. Eu não me orgulho. Mas não me arrependo também.

Instalado na nova casa, trato das diligências. Um mapa de Salta para ver o que fazer e sigo para um café. É altura de confortar o estômago e de definir planos. Ao fim de quase um mês de viagem intensa, o cansaço (físico e psicológico) começa-se a notar. Já não faltam muitos dias para o fim da viagem, o budget já há muito foi ultrapassado e estou agora em alta contenção de custos. Decido finalmente a última paragem: Mendoza. A alternativa era Córdoba mas acabei por optar por Mendoza porque sabia que em Córdoba o melhor eram as montanhas e eu não ia ter hipótese de as conhecer. Em Mendoza, estava a oportunidade de fazer sky diving muito barato (segundo me tinham dito em Ushuaia) e reencontraria a Corinna, a alemã que fez parte da viagem comigo (de Ushuaia a Punta Arenas). Era acabar como havia começado. Nesse sentido e no sentido de regressar à cidade que conheci na primeira incursão fora de Buenos Aires.

Em Salta não faria nenhuma excursão. A Quebrada já eu a tinha visto na viagem, o trem das nuvens estava fechado. E fora isso restava conhecer a cidade. Passaria assim o dia seguinte. Depois então seguiria para Mendoza.

A noite foi passada com gente porreira do hostel. Também nisto é giro viajar sozinho. Conhecemos tanta gente todos os dias e separamo-nos delas tão depressa, que saber o nome e a proveniencia delas começa a não ser indispensável. De um grupo de 5 ou 6 pessoas com quem jantei nessa noite recordo apenas uma rapariga que era designer na BBDO em Buenos Aires. E porque me ficou na memória por questões de afinidade profissional. O resto das pessoas, recordo-me da presença delas. Recordo-me até de algumas historias e conversas. Mas as caras e os nomes vão-se perdendo com o tempo. No dia seguinte já não sabia o nome de ninguém. Parece que só ficou o essencial. O superficial foi excluído automaticamente pela memória. As informações que se acumulam são já demasiadas para decorar tudo.

No mp3: Clandestino - Manu Chao (a música manteve-se porque está associada à aventura da viagem e à presença dos amigos polícias)

Dia 25 ::: 31-03-2007 ::: Uyuni e o voltar à Argentina

O dia foi um bocado secante. Já tinha dito que Uyuni pouco ou nada tinha para se ver. E confirmei-o no dia seguinte. Já com bilhete comprado, deixei o hotel bem cedo. Parei na praça principal em busca de um café onde comer. O problema é que era feriado e não havia rigorosamente nada. Sozinho numa cidade sem nada, a sentir outra vez falta de um grupo, o dia afigurava-se desesperadamente desinteressante. Acabei por encontrar um quiosque aberto onde me sentei a comer e a escrever. Foi aí que conheci um casal de argentinos cujo nome já não recordo. Simpáticos, foram uma boa companhia para um dia parado.


O centro



Depois de andarmos às voltas pela cidade em busca de lã de Llama que a rapariga insistia em comprar ali por ser muito mais barata que na argentina, resolvemos visitar o famoso Cementerio de los trenes. Era a única coisa ali para conhecer e diga-se que é manifestamente pouco. É engraçado por ser uma amálgama de metal. Carris, carruagens e máquinas e outras velharias dos caminhos-de-ferro ali são largados a envelhecer e a enferrujar. O ambiente é no mínimo estranho mas a piada esgota-se rapidamente. Para juntar à festa, ao longe, um grupo meio estranho de locais está escondido numa carruagem. Não sei o que estariam a fazer mas achámos melhor não descobrir. Não valia a pena o risco. Além disso, começavam a ser horas de comer alguma coisa porque eu tinha a camioneta daí a poucas horas.


A caminho do Cementerio de los Trenes.

O cemitério. Ou o que eu consegui fotografar dele.


De volta ao centro da cidade, era agora tempo de fazer horas. Instalámo-nos num café de um posto de turismo e aí fiquei a perceber que fiz um péssimo aproveitamento da bidimensionalidade do salar de Uyuni. Uma exposição de fotografias mostrava ideias fantásticas que não eram nada difíceis de reproduzir. Paciência. Fica para a próxima.

Boas ideias = Boas fotos.


Às 19h00 era hora de ir para a camioneta. Numa enorme rua, imensos autocarros amontoavam-se a carregar passageiros. Entre uns (poucos) modernos, a maioria era ferro velho. O meu não escapava à regra. Ora se já estava ansioso com a viagem (pelo meio de deserto, sem estradas, com ravinas altíssimas e nenhuma segurança) ainda mais fiquei quando vi o "bólide" que me ia levar. Minúsculo, com rodas enormes, malas em cima do tejadilho e completamente podre por dentro. O cheiro não era muito agradável. Mas havia de ser pior mais à frente. Pelo sim pelo não, enviei uma sms à mais-que-tudo a dizer a camioneta em que ia, como se chamava a companhia, a que horas saia de Uyuni e a que horas chegava à fronteira Argentina. À resposta "Tenho motivos para estar preocupada?" não tive coragem de responder. A verdade é que nem eu sabia.

O autocarro era igual. Só que mais podre. A estrada... era bom era.


E aí vamos nós. Poucos km depois de Uyuni, entramos pelo meio de um deserto de areia interminável. Aqui e além o autocarro atolava na areia. Foi aí que percebi a função do outro senhor que ia ao lado do motorista. Saia do autocarro com uma pá e ia escavando à frente do autocarro. Estou feito… Para me distrair e não fazer filmes (eu faço muitos filmes) decidi iniciar conversa com as outras duas pessoas não nativas e da minha idade que ali estavam. Um inglês e uma sueca. Começámos com a conversa do costume. Trajectos, onde estivemos, onde vamos, o que gostámos mais, impressões, etc. etc. etc.. Estávamos nós no tema política (outro tema típico nestes encontros culturais) quando fazemos uma paragem para ir à casa-de-banho. Foi aí que percebi que casa de banho não é para todos. A senhora que ia à minha frente, por exemplo, assim que desceu do autocarro deu um passo, subiu a saia e foi ali mesmo. Um belo xixi. Eu atrás, estava trilhado entre a senhora e a pessoa que estava atrás de mim à espera de sair do autocarro. Foram momentos de habilidosa tentativa de fugir à corrente enorme que se formava mesmo ali à minha frente. Consegui sair ileso, que é como quem diz, seco.
Seguimos viagem. Alguns erros no trajecto levam o motorista a improvisar. Já tinha dito que nesta zona da Bolívia não há estradas, ou praticamente não há. O caminho faz-se em cima de areia, por caminhos de cabras e, nesta altura, por aquilo que me parece ser um rio seco. A conversa esgota-se no cansaço dos meus companheiros de viagem. Resta-me então dormir. O que consegui, ainda que a espaços fosse abrindo os olhos. Mas o facto de olhar pela janela e ver que estávamos num caminho esburacado estreitíssimo com uma ravina de 50 metros a pique ao meu lado (o luar continuava cheio e para mal dos meus pecados a iluminar tudo) fazia-me ter uma repentina e enorme vontade de os fechar outra vez.
Deviam ser umas 6 da manhã quando parámos. Tinham-me dito que o autocarro era directo à fronteira. Afinal, tinha de mudar. Saí e olhei o outro autocarro. Era mais novo. Grande. Espaçoso. Era um upgrade. Ou não. O autocarro ia cheio e boliviano que se preze não espera por uma casa de banho para fazer o que tem a fazer. Faz o que tiver que fazer onde tiver que fazer. O cheiro dentro do autocarro era nauseabundo. Durante os primeiros tempos tive de me controlar. Depois, felizmente, adormeci. Quando acordei estava na fronteira com a Argentina. Atravessaria a fronteira a pé. Num processo pouco demorado (uns 30 minutos do lado boliviano) disse adeus à Bolívia e a tudo o que de fantástico ali tinha visto. Fazia promessas de voltar para ver o resto. Mas naquele momento estava mesmo feliz por estar de volta à minha linda Argentina.

Promessas de volta. Mas por agora, muita felicidade por estar de volta à Argentina.


A meio da ponte que liga os países.


No mp3: Clandestino – Manu Chao