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O Império Contra-ataca. Primeiro o fim do mundo figurativo. Agora o fim do mundo literal. Não bem. Mas quase. Só um bocadinho mais a Norte.

Saturday, October 27, 2007

Dia 22 ::: 28-03-2007 ::: Altiplano Boliviano I

O dia começa cedinho. Sem adormecimentos que é para não destoar. Acordado pelo Miguel, salto da cama (feliz por não ter tido a companhia de um rato, ou pelo menos por não me ter apercebido disso) e arrumo as coisas todas. Antes de sair, deixo de presente ao Miguel (que já tinha saído para outra excursão) um mapa das Torres del Paine que tinha a mais. Deixei porque ele disse que era um sitio onde gostava de ter ido mas não conseguiu. Achei que seria simpático. Ou então foi por pirraça. É capaz, é.
Pequeno almoço tomado, lá estou eu à porta da agência de turismo para arrancar na aventura. Fui o primeiro a chegar. Pouco depois chegam os irlandeses da véspera. Consigo finalmente saber os nomes deles. Fiona e Mick, namorados, Helena e Ginger. Pouco depois chega o elemento extra: a Muriel. Uma francesa tímida. Simpática mas de poucas conversas.

Chegado o dono da agência, novo aviso para não perdermos o talão da fronteira. Primeiro problema. Uma das irlandesas não o tem. Perdeu-o. Pode ser que não haja problema. Também pode ser que pague multa. Logo se vê.
E ei-lo. O incrível, o maior, Simon! O nosso motorista/guia/cozinheiro/assistencia em viagem. Com as feições típicas de um boliviano (ou o que eu considero como feições típicas) mostra-se sorridente e muito simpático. Há um pequeno senão. Não fala uma palavra de inglês. Resultado? Além de turista sou tradutor.

Arranca a viagem. 6 turistas, um guia e um jeep que já teve melhores dias. A música, vai de U2 a Manu Chao passando por Shakira, Madonna e Michael Jackson. Isto promete.
A saída do Chile faz-se sem problemas. O Simon usa os seus contactos e a Helena passa sem problemas. Estamos numa fronteira tripla. Passada a aduana chilena, para a esquerda vai-se para a Bolívia, em frente vai-se para a Argentina. Viramos à esquerda. A Argentina fica à espera do meu regresso. Confesso que esta era a parte que mais receava da viagem. Já sabia que a Bolívia nada tinha a ver com Argentina, Chile ou Uruguay. Era um país pobre, com pouco. Muito pouco. Ia andar 3 dias no deserto num jeep sem saber quais eram as soluções em caso de avaria ou acidente. Não me parece que telemóvel fosse opção. Hehe. Mas havia de correr tudo bem! Não sei porquê, mas acho que o facto de estar aqui hoje a escrever sobre isso é capaz de indiciar alguma coisa acerca desta minha última previsão...


Em frente Argentina. À esquerda o próximo destino: Bolívia.
Chegamos à fronteira da Bolívia. Fronteira que é como quem diz. Eu chamar-lhe-ia o casebre onde se trata da papelada. Atenção às fotos.

Fron.... quê?

Hum.... um autocarro todo podre abandonado ali mesmo na fronteira. Inspirador...

E mais inspirador se torna quando percebo que aquilo é a casa de banho da fronteira.
Cruzámo-nos com um outro grupo que estava a chegar. Dizem-nos muito bem da excursão. Correu tudo bem e a aventura foi fantástica. A paisagem não é possível descrever. Conversamos e vamo-nos conhecendo enquanto tomamos um pequeno almoço antes de arrancar. Pão, manteiga, leite quente com chocolate. Nada de mordomias que aqui não há disso. Nem sequer seria consonante com o espírito da aventura. Grupo formado, hora de arrancar. A moral era alta.
Grupo formado e moral em alta. Começa bem!

Primeira paragem. Laguna Verde. Um inerte, sem expressão (mais azul do que verde, diga-se) estende-se à nossa frente. Por trás está o Sairecabur, o vulcão que marca a fronteira entre Chile e Bolívia. Já nos geisers o tinha visto ao longe. Ali é mais imponente. Leva-nos a pensar que ainda bem que está extinto.

A esta altitude, o ar é gelado. Estamos a qualquer coisa como 4000 metros de altitude. Tudo é feito muito lentamente. Ninguém corre e o corpo parece não responder. Parámos ali por uns minutos. Aquele é o verdadeiro marco de início de viagem. E para começo estamos bem.


De regresso ao jeep o Simon diz-nos que a próxima paragem são umas piscinas de águas termais onde tomaremos o nosso único banho (?) nesses três dias. Pelo menos de água quente. Há que aproveitar. Também diz que as termas onde se costuma parar não são aquelas a que nos vai levar. Assim poderemos estar sozinhos, tranquilos e aproveitar ao máximo a estadia nas termas de maior altitude do mundo. E lá chegámos uma meia hora depois. O lugar era no mínimo inóspito. No meio de um gigantesco planalto rodeado de montanhas, ali estavam as termas. Uma minuscula piscina, com uma pequena construção de apoio dividida em dois compartimentos. Um para homens, outro para senhoras. Ao longe a casa de banho. Bem longe. E ainda bem... porque aquilo mais não era que três paredes (sim, três) com um buraco no meio onde se iam acumulando as memórias gastronómicas dos turistas que por ali passaram nos últimos, vá lá, 20 anos. Eu baptizeia de casa de banho dos desesperados. Porque era preciso mesmo estar nesse estado para lá ir.
Chamar água quente áquilo é no mínimo simpático. Eu diria que só não está à temperatura ambiente porque estaria congelada. O que dá a sensação de que a água está quente é o frio que está cá fora. A ventania que se sentia convidava pouco a banhos, fazendo-nos antever a tortura da saída da água. Mas caraças. Passeio é passeio e nós estavamos decididos a ter tudo a que tinhamos direito.

À esquerda, as termas com os seus, vá vamos chamar-lhes assim, balneários. A meio o nosso jeep. Ao longe, bem ao longe, minúsculo e depois daquelas duas pessoas: A casa de banho dos desesperados.

Queremos tudo a que temos direito! Nem que seja preciso sofrer!

Mais transparente, mais puro é difícil.

A ventania que nos castigou à saída da água revelou-se útil para secar as toalhas. Aventura selvagem promove as ideias.
Ao som de U2 (bem ao jeito dos meus companheiros irlandeses) lá seguimos estrada fora. Estrada é como quem diz. Ali não há disso. Apenas terra e pedras. Anda-se por onde se quiser, mais à direita ou à esquerda. Nós vamos aqui e outro jeep vai 500 metros à nossa direita. É à vontade do freguês. A paisagem é incrível. Um enorme corredor de planície onde caberiam sei lá eu quantas cidades do Porto estende-se até ao horizonte numa passadeira amarela/laranja enorme que não deixa ver de onde vimos nem para onde vamos. Aqui não há nada. Pouca vida além de nós. Um ou outro Guanaco (espécie protegida), um ou outro jeep de excursão ao longe e nós. Aqui não há telemóveis. Nem GPS. Nem tão pouco um mapa. Simon guia-se pelas montanhas. Já faz isto há anos e podia fazer o passeio de olhos fechados. Estar desligado do mundo daquela maneira é simultaneamente aterrorizador e óptimo. O mundo podia eclodir numa guerra nuclear. Ali eu não daria por nada. Respira-se paz e origem da Terra.


"Um enorme corredor de planície onde caberiam sei lá eu quantas cidades do Porto estende-se até ao horizonte(...)"

"(...) numa passadeira amarela/laranja enorme que não deixa ver de onde vimos nem para onde vamos."

"Aqui não há nada."

E eis a terceira paragem do dia. As fumarolas. Estamos a 5200 metros de altitude. A maior altitude que atingiriamos em toda a excursão. Somos avisados pelo guia que devemos andar muito de vagar. Se nos baixarmos temos de subir mesmo muito lentamente. Tudo tem de ser feito com calma. Como se estivessemos na lua. E a experiência deu-lhe razão. O entusiasmo toma conta de nós e acabamos por fazer coisas a que estamos habituados. Um salto aqui, uma corrida ali, um baixar e levantar rapidamente acolá. O resultado são tonturas e falta de ar. Muita falta de ar. As fumarolas não são particularmente espetaculares. Ainda para mais porque as que vi em S Pedro de Atacama são melhores e porque a esta hora do dia já se nota menos a actividade. No entanto, o cenário de no meio do nada se abrirem uma série de enormes buracos de várias cores é qualquer coisa que não se vê todos os dias.

Eis as fumarolas de maior altitude do mundo ao longe.





O espectáculo visual é lindo. O cheio é que nem por isso. Não se vê muito bem mas toda a gente está de mão no nariz. Bem... toda a gente menos eu. Eu estava na versão "felizmente não cheira".

Mais uma hora no meio deste gigante planalto que não acaba nunca e chegamos ao primeiro abrigo. Bem na hora do almoço. O dia não acabava ali. À tarde ainda havia mais coisas. Mas parariamos ali por umas horas para descarregar as coisas, descansar e comer. E para tomar contacto com umas folhas verdes pequeninas que diz que fazem muito dinheiro por aí. Diz que a maioria está na posse de, como é que se chama mesmo? Isso. Cartéis. Pois é. Simon, atento às dores de cabeça de alguns de nós (eu ainda não apesar de estar meio zonzo com a altitude) tráz-nos um saco cheio de folha de coca. A folha de coca (de onde obviamente se faz a cocaína) em si só não tem mal nenhum. De resto, mascada, ajuda a oxigenar o cérebro e por isso a tolerar melhor a altitude. Com dor de cabeça ou sem ela, claro que todos experimentámos. É só pegar numa quantidade pequena de folha, fazer uma bola com saliva e meter a papa entre os dentes e a bochecha. Depois chupa-se durante um bom bocado. O efeito que se sente é que a sensação de altitude é diminuida e a bochecha fica dormente. Pergunto ao Simon quanto daquilo é preciso para fazer um kilo de cocaína. Fica atrapalhado com a pergunta e meio em surdina responde que são perto de 200 kg de folha.


O ar esgroviado podia indicar outro tipo de consumo. Mas não. É apenas o resultado de 22 dias de viagem como mochileiro. A folha assim, não faz nada de especial. Só ajuda na altitude.

Almoço. A esta hora já o grupo está todo à vontade. Rimos, brincamos, mandamos piadas. Falamos de futebol e das viagens que estamos a fazer. Explicamos como fomos ali parar e o que faziamos antes. O que queremos fazer depois. E o que gostariamos mesmo de fazer depois. No meio, comemos uma salada de tomate com uns cereais parecidos com cous cous. Não há electricidade no abrigo. Há um gerador mas é ligado apenas por duas horas à noite para se cozinhar e comer. Depois desliga-se que o combustivel é pouco e caro.

Almoçados e já com as pernas menos moídas da manha intensa, seguimos para a segunda parte do dia. A ida à Laguna Colorada. Ali, juntam-se as três espécies de flamingos existentes no mundo, num lago que combina com a cor do casaco do típico flamingo cor de rosa. Não vale a pena descrever o lago. Basta ver as fotos. Aquela é a cor real. É incrível. Ficámos ali o resto da tarde. E ficámos bem. Quando voltámos já o sol se tinha escondido atrás das montanhas.

Senhoras e senhores, eis a Laguna Colorada. Palavras para quê?











À noite, depois do Spaghetti à Bolonhesa Boliviana aproveitámos o facto de ainda haver uns 45 minutos de gerador para carregar as máquinas fotográficas e para jogarmos um jogo estúpido ensinado pelos irlandeses. Consistia básicamente em cada um escrever o nome de uma pessoa famosa num papel e entregar a outra pessoa sem ela o ver. Depois essa pessoa colava o papel na testa e fazia perguntas aos outros sobre a pessoa em causa e tentava adivinhar. Dá para imaginar a cara dos bolivianos (os cozinheiros permanentes no abrigo e o Simon) a olhar para nós? Pois... qualquer coisa como estes tipos são anormais seria pouco. Já sem luz de gerador aproveito para vir cá fora. Não sei se estou contente ou triste por estar um luar cheio como nunca vi. Por um lado não consigo ver o céu estrelado que deve único. Por outro nunca tinha visto um luar iluminar tanto. Vê-se tudo à minha volta. Ao longe percebe-se o controno das montanhas. Agora sim, percebo porque é que nos livros d’Os Cinco, quando eles andavam de bicicleta à noite aproveitavam a luz da lua para poupar as pilhas da lanterna. Nunca achei que a Lua iluminasse assim tanto. Pensava que isso era tanga da Enyd. Parece que não. Foi a minha segunda descoberta no que toca a essa mítica colecção. A primeira foram os scones. Ainda estou é para perceber se a Zé era gira ou não. Mas isso agora não interessa. Um silêncio como nunca vi envolve-me. Geralmente as noites de silêncio em Portugal são acompanhadas pelos grilos. Ali perto do abrigo os únicos animais que vi além de nós eram moscas e morriam todas. Não se ouve absolutamente nada. Chega a ser assustador. De longe a longe, lá ao fundo um relâmpago ajuda a luz da lua.

Hora de ir dormir que amanhã é outro dia de acordar cedo e cansativo.

O abrigo.
A Lua lá no alto preparava-se para ser o candeeiro da noite.


No mp3: Where the Streets Have no Name – U2

Nota: Peço desculpa se o post não é particularmente interessante. Mas além de não ter cábulas (o meu diário acabou aqui), acho que esta excursão vale mesmo mais pelas imagens do que pelas palavras. Essas, não fazem juz ao que se vê. Só estando lá mesmo.

Tuesday, October 16, 2007

Eu digo Piaçaba! E tu?!

Este blog já habituou os seus leitores a várias coisas. A destacar:

1- A fraca qualidade do estaminé.

2- A associação a causas sociais que exigem o apoio de todos nós. Movimentos que devem ser difundidos por todos para defesa e ajuda de quem mais precisa.

Foi assim quando pedi para ajudarem a minha prima e será assim quando um dia vos pedir que participem no MAEFASBF - Movimento Anti Extinção do Flamingo Azul do Sul do Burkina Faso.

Por agora deixo-vos com um outro movimento que merece amplo destaque entre todos nós:

O Movimento do Piaçaba

Deixo-vos aqui o vídeo do seu mentor. Para que pensem. Vamos combater esta injustiça! Todos juntos! Agora!



Deixo à vossa consideração.

Ecos

"heeeeeeeeeeeeeeeey".............................................."eeeey eey ey y"

"Está aí alguém?!"...................................................."guém? ém? em?"

Podia ser a gigante caixa de ressonância que é a minha cabeça, mas não. Sou só eu a simular um eco aqui no blog, vazio após vergonhosa ausência super prolongada.

Após tempos de silêncio ao longo dos quais andei a tratar da minha vida (sim porque escrever blogues não dá dinheiro para todos) eis-me de volta para terminar o maldito relato da minha viagem. A tão pouco do final seria uma pena não o terminar.

E mesmo que enquanto relatei uma viagem de um mês o Gonçalo Gil Mata tenha tido tempo para ir de Buenos Aires a New York, tenha escrito um livro da mesma, feito exposições, tido 3 filhos, e feito mais 5 viagens de volta ao mundo, ainda espero ter desse lado um bocadinho de atenção. Mesmo que só porque não há nada melhor para fazer (e nós sabemos bem como isso é difícil quando o universo de que falamos é a Internet).

Será mais fotos e menos texto. As primeiras já estão prontas a mostrar, o segundo ainda nem está rabiscado. Mas é de esperar novidades para os próximos dias.

Stay tunned.